Enquanto cantavam sobre pensamento positivo, a força da fé e a beleza do girassol, os temas nos bastidores do Cidade Negra eram muito mais pesados.
Hoje, a banda de reggae virou uma dupla de reggae, formada pelo baixista Bino Farias e o vocalista Toni Garrido. Segundo eles, desde 2014 o grupo convive com disputa pelo uso do nome Cidade Negra, agressões do ex-baterista Lazão e roubo de instrumentos. Procurado pelo g1 por meio de seu empresário e de seu advogado, o músico não quis dar entrevista.
“Eu não queria expor essa sujeirada toda, porque o fã não merece”, explica Toni Garrido. Segundo ele, o Cidade Negra vai seguir fazendo shows e lançando músicas “assim que tiver a limpeza de espírito e de alma para continuar”. Os dois já compuseram e gravaram cinco músicas novas.
“Em 2014, 2015, começaram uma série de violências, o Lazão começou a ficar violento, dentro do próprio grupo, com a gente. Então, um dia ele me deu um soco no olho que rasgou meu olho e saiu sangue”, relata Toni.
“Um dia ele deu um soco na cara do Bino. Ele foi fazendo milhões de coisas. A banda, equipe técnica acompanhando aquilo tudo… e me perguntando ‘Toni, você não vai fazer nada? Ele não pode fazer isso, ele tá louco, ele tá pirado’.”
Bino também tem uma história em que foi agredido por Lazão. Ele conta que levou um soco após um show no Bar Opinião, em Porto Alegre, em 2015. “Todo mundo foi passar o som e ele não foi passar… De repente o Lazão faz um comentário com o roadie dele no camarim que o som dele não estava bom. E o Toni simplesmente comentou ‘Pô, Lazão, por isso que é importante sempre se passar o som’.”
“Rolou uma agressividade dele do nada. E quando eu fui tentar separar uma situação que já estava passando… foi uma agressão, o soco que ele deu na direção do Toni pegou na minha boca aqui, no nariz. Quando eu olhei no espelho, tinha um espelho grandão dentro do camarim, e meu nariz saindo sangue.”
Segundo Bino, a banda tinha show em uma cidade mineira no dia seguinte e todos continuaram juntos viajando de avião e depois de ônibus. “Cara, estava todo mundo passando mal. Foi uma coisa inacreditável”, conclui o baixista.
“Ele era meu melhor amigo na banda, o cara que eu mais tinha comunicação. O cara que eu mais tinha carinho ali, de irmão, de proximidade”, lamenta o vocalista.
Qual a acusação de roubo de equipamento?
Para Toni Garrido, a acusação de que Lazão vendeu equipamentos sem autorização é “a parte mais feia”. “Eu não falei antes, porque é a parte mais horrível. Durante a pandemia, a gente ensaiava lá na casa do Lazão, porque ele é o baterista. Ele tem as coisas dele, tem um estúdio em casa.”
“Na pandemia, pedi para o nosso querido engenheiro de palco ir lá buscar meus equipamentos. Primeiro, foi impedido de entrar durante um mês na casa. ‘Não! Porque você gosta do Toni e do Bino, não vai entrar aqui não’.” Toni pergunta a Bino se a história é verdadeira, e o baixista confirma. O cantor enviou ao g1 áudios em que Lazão confessa a venda de equipamentos sem autorização.
“Quando chegou um mês depois, ele falou: ‘Entra aí’. E não tinha nenhum instrumento. Ele perguntou: ‘Cadê os instrumentos, cara?’ A primeira desculpa foi que ‘sei lá, entra muita gente aqui’. ‘Insiste com ele, a gente precisa saber onde estão os instrumentos’. Uns dias depois: ‘o caseiro aqui da casa do lado, acho que esse cara roubou, levou, mas nem trabalha mais aqui’. Aí um dia, falando [pelo celular], eu tenho a gravação… e ele fala exatamente o seguinte: ‘os instrumentos do Toni? aquelas guitarras? Tudo podre, tudo estragado, aquelas merdas todas? Quer saber? Vendi, vendi tudo mesmo.’ Eu tenho essa gravação e tem seis meses que isso aconteceu. Ele vendeu as minhas guitarras, meus equipamentos todos durante a pandemia.”
“Por que não vendeu as coisas dele? É o meu equipamento que eu trabalhei, tem uma guitarra verde que eu adoro, que eu passei a vida inteira atrás de uma guitarra verde… e ele foi lá… viajei o mundo até conseguir aquela guitarra. Ele vendeu.”
Garrido está registrado como dono do nome Cidade Negra no Instituto Nacional da Propriedade Industrial. No INPI, consta apenas o nome dele, Antônio Bento da Silva Filho, mas o vocalista diz que vai criar uma empresa para que ele e Bino sejam donos da marca Cidade Negra.
Toni ficou na banda em 1994 e 2008. Ele foi substituído por Alexandre Massau, mas retornou dois anos depois. Bino é o único integrante presente do começo até agora.
Dentre as 10 músicas mais ouvidas da banda no Spotify, todas são com Toni Garrido nos vocais. Entre os principais sucessos estão “Girassol”, “Onde você mora?”, “A estrada” e “Pensamento” (veja trechos de clipes no vídeo do topo).
O baixista diz que inventou o nome da banda (leia relato completo abaixo) e Toni registrou Cidade Negra em seu nome, após decisão tomada em uma reunião na qual Lazão e Bino estavam. O g1 perguntou ao advogado de Lazão, Ras Bernardo e Da Ghama se os ex-integrantes confirmam que Bino tenha criado o nome. “Que traga as testemunhas e prove isso”, respondeu ele.
Segundo Garrido, ele foi escolhido por ser o único sem pendências judiciais dentre os então três integrantes. O pedido foi feito em dezembro de 2018 e concedido em novembro de 2019.
Em fevereiro de 2019, foi feito um pedido ao INPI para registrar a marca Cidade Negra em nome do guitarrista Da Ghama (Paulo Roberto da Rocha Gama). O pedido foi indeferido em janeiro de 2020 pelo INPI, pois a marca já estava registrada.
Ex-integrantes do Cidade Negra, o baterista Lazão, o guitarrista Da Ghama e o vocalista Ras Bernardo seguem na ativa com outro projeto, chamado Originais Cidade.
Ras foi vocalista do Cidade Negra entre 1986 e 1994. Da Ghama tocou guitarra no grupo entre 1986 e 2008. Lazão ficou na banda de 1986 até 2022. O Originais foi criado em 2018 e está em turnê.
No começo deste mês, o perfil oficial do Cidade Negra, com 250 mil seguidores, ficou um tempo fora do ar. Logo depois, o mesmo nome de perfil passou a fazer posts apenas sobre o projeto Originais Cidade. Diferentemente do perfil anterior, ele não é verificado e tinha menos de mil seguidores.
Segundo o advogado do trio, Nehemias Gueiros Jr., ele e os três ex-membros buscam “uma reorganização da legalidade da situação”. “Toni tem vários atributos positivos, canta bem, tem boa performance de palco. Mas ele nunca foi nem será o dono da marca. O ato de registrá-la somente em seu nome foi desleal. Há uma ação na Justiça Federal contra o INPI”, diz o advogado ao g1.
Fonte: g1