O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cumpriu agenda na China, onde se encontrou com o presidente Xi Jinping e assinou 15 tratados. A viagem e algumas declarações do petista foram criticadas pela imprensa norte-americana. Como a Jovem Pan mostrou, os veículos americanos avaliaram que Lula e o chefe de Estado chinês estão “unidos” contra os Estados Unidos. O presidente da Associação Brasileiro do Agronegócio (ABAG) comentou os principais pontos dos compromissos oficiais do mandatário brasileiro. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
O que muda para o agro após a viagem de Lula à China? É extremamente importante esse relacionamento, é uma coisa impressionante quando você olha que na virada do século XXI, 5% do agro era para a China, agora é um terço. Se você somar os outros países da Ásia, estamos falando de mais de 50% das exportações brasileiras para lá. O que é importante é que na virada do ano 2000, os Estados Unidos representavam 19% dos produtos do agro e a União Europeia quase 45%. Os EUA é 7% e União Europeia 17%, quer dizer, virou completamente então é óbvio que é importante isso que está sendo feito pelo presidente da República.
Como você avalia o pós encontro de Lula e Xi Jinping? Há uma nova era para o agro a partir desse encontro? Acho que tem duas coisas fundamentais que às vezes uma até está na frente da outra, complementarmente. A verdade é que geopolítica é uma coisa e comércio teoricamente é outra. Do ponto de vista geopolítico, o que acontece é que as primeiras entrevistas do presidente, de alguma forma, soaram como contestação brasileira da ordem internacional e isso tem impacto geopolítico e tem impacto aqui no Ocidente, que são as nossas raízes. Por outro lado, a assinatura de acordos comerciais com a China é natural que aconteça, fico muito animado não só com estes acordo mas com outros, com empresas brasileiras e chinesas, tudo isso é importante. Mas, há outras preocupações em discussão, como a questão da moeda, questão geopolítica que direta ou indiretamente pode gerar ao agro. Isso me preocupa em uma realidade instável em um mundo instável que vivemos.
Que impacto positivo e negativo o uso do yuan nas transações comerciais pode trazer à economia e ao agro? Acho que tem duas questões importantes da fala de Lula. Uma delas, e que não acontece nada, é absolutamente neutro, é quando fala em comercialização que obrigatoriamente é em dólar e você acaba transferindo para a moeda local e tem custos para isso. Então, se você olhar o Brasil com a Argentina, a moeda não é o dólar e a gente vai bem com custos menores. Então essa questão da transação em moeda direta de comercialização Brasil China não seja em dólar, que seja em não tem problema nenhum.
O problema é quando você está falando em fazer volumes de negócios de fixação em moeda, porque é fundamentalmente importante que flutue, como o dólar. Não é o caso da moeda da China, ela não só não flutua mas é constantemente desvalorizada e não é transparente. Portanto, se você pensar em volumes que são comercializados em bolsa, quando você pensa na bolsa e no dólar tem uma lógica institucional dos fundamentos que suportam o dólar e que dão segurança aos negócios privados. Então são duas questões diferentes: uma é eu vender para a China, faço na moeda deles, está bom, na minha moeda não tem problema, isso nem mexe com os americanos e EUA. Agora, eu vou fazer todos os negócios de longo prazo, com fixação, ai a moeda e o dólar.
Será obrigatório fazer uma transação na moeda dos chineses?
Não tenho dúvida que vai ser opcional. Não faz sentido você criar uma crise boba por uma questão operacional, não faz o menor sentido. O BNDES e o banco de desenvolvimento chinês assinaram acordos para captação de recursos, que serão utilizados em linhas de financiamento de curto e longo prazo.
Como você vê o papel da China como financiadora do Brasil? Desde o BRICS, acho essencial que ele faça isso e tenha essa atuação. Até porque a China, como grande compradora de commodities, tem interesse nisso. Ou seja, eu tenho de alguma forma casar as coisas, só me preocupa como será esse casamento, se esses recursos são obrigatórios de que a produção seja voltada para o mercado chinês ou não, isso não está claro. De qualquer modo, acho fundamental essa abertura chinesa para o mundo, do qual ela depende, essencialmente do ponto de vista de segurança alimentar e o Brasil, é óbvio que se encaixa nisso de forma natural. E nós temos duas opções interessantes, você tem os europeus criando o green deal, colocando amarras, dificuldades e sanções, ou ameaçando com sanções o Brasil, e a China oferecendo até recursos para ter acesso às exportações brasileiras. Eu não sei qual mundo vamos ver, mas são mundos diferentes.
Na última semana, o jornal “The Washington Post” divulgou uma reportagem criticando a aproximação de Lula com a China. Os EUA deixarão de ser um parceiro do Brasil? O mesmo aconteceria com a Europa? Tentando fazer uma síntese, eu diria que há duas abordagens muito diferentes do Ocidente, onde estão as nossas raízes. A gente não pode esquecer que o Brasil tem raízes 100% Ocidentais. No entanto, a gente está discutindo um programa europeu que eles querem impor unilateralmente ao Brasil e outros países – por exemplo, não levando em consideração a brasileira sobre desmatamento, e do outro lado os americanos, que levam em consideração o desmatamento, a legislação brasileira e negociam isso conosco. São mundos diferentes ocidentais e eu não vejo a menor possibilidade de um país totalmente de raiz ocidentais ir para um lado absolutamente oriental.
Uma coisa é comércio, e nós vamos ser procurados, vamos estar vendendo produtos para países que precisam deles independente de onde estão. Outra coisa é o desenlace geopolítico das grandes questões. O Brasil não pode não ser considerado um país amigável à lógica Ocidental do ponto de vista geopolítico. Vejo portanto que temos que trabalhar e espero que Lula tenha isso muito claro. O que é geopolítica e mundo Ocidental e o que é comércio e as dificuldades, barreiras que Ocidente faz e as necessidades do oriente
Na teoria, geopolítica e comércio são coisas distintas, mas na prática acabam sendo muito entrelaçadas? É possível que uma sanção geopolítica impacte o comércio, podendo haver uma reviravolta no mercado agrícola? Isso é muito importante. O mundo está vivendo uma desordem impressionante. Depois da segunda grande guerra, o que foi de mais importante criado no mundo foi o multilateralismo e as relações que a gente tem de países, independente de ser amigos ou não, nas discussões, debates e na Organização Mundial do Comércio. Os EUA, via Donald Trump, enfraqueceram a OMC, entrou Joe Biden e segue enfraquecida a OMC.
Por outro lado, parece em teoria que a Europa e os EUA têm excelente relação, eles estão em uma guerra enorme do ponto de vista conceitual, os EUA com a lei da redução de inflação e com investimentos verdes, e a Europa com green deal. E o pacote de países amigos dos EUA, como México e Canadá, vão levar uma grande vantagem nisso. Então, esse é ponto fundamental e isso é comércio. Ou seja, nada mudou na geopolítica entre países, mas o comércio começa a desenhar um esforço da geopolítica de mudanças e vice-versa. Então eles se co-alimentam. Acredito que o Brasil é um país da realidade, por mais importante que a gente ache, ainda está na periferia das riquezas dos países. A gente depende essencialmente de saber e ter tradição diplomática do Itamaraty. A tradição diplomática do Itamaraty é que não se alinha com um dos lados. Portanto, aquilo que a gente ouviu do Lula lá na China não é a tradição do Itamaraty.
Fonte: JP