Política e economia são dois temas que andam juntos e vão ser decisivos em outubro na Argentina, quando chegar a hora de eleger o novo presidente do país. Exaustos dos partidos tradicionais — e principalmente do peronismo —, os argentinos têm fortalecido Javier Milei, um candidato da direita conservadora. Chamado de extremista pelos opositores, ele promete mudança radicias para recuperar a economia do país e se apresenta como um “anarcocapitalista”. Milei possui um forte discurso antissistema e é admirador de Jair Bolsonaro e Donald Trump. A Argentina realizará o primeiro turno das eleições em 22 de outubro, com um eventual segundo turno em 19 de novembro. Antes, em 13 de agosto, os partidos políticos devem promover eleições primárias obrigatórias. Apesar dos meses que faltam até a decisão final, os especialistas já alertam para a baixa probabilidade de o peronismo sair vencedor deste pleito eleitoral. “Os peronistas não vão continuar no poder, mas o problema é trocar um populismo de esquerda por um de direita. Esse que está sendo o grande risco, até porque o candidato de extrema-direita é um risco para o país, para o continente e não mudaria em nada a situação da Argentina”, opina o coordenador de pós-graduação em relações institucionais e governamentais do Mackenzie, Márcio Coimbra. O país vive atualmente uma crise econômica que fez a inflação chegar a 180%, em 12 meses.
Esse desgaste partidário faz com que, segundo o historiador e professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), José Luiz Beired, a Argentina esteja “se transformando em um país bipartidário”, porque existe um descontentamento com suas grandes forças, com uma terceira surgindo. O especialista fala que é exatamente isso que faz com que Milei esteja ganhando espaço, pois ele tem um discurso atrativo, promete ser moderno, consegue atrair os jovens e traz soluções radicais para os problemas econômicos do país. “Existem uma grande dúvida da viabilidade das ideias de Milei e os riscos que pode vir a apresentar para o país. Se ele ganhar, há chance de reviver a terrível crise de 2001”. Consultor econômico e analista internacional, Gustavo Segré afirma que parte dos motivos que levaram a Argentina à crise atual se deve a um projeto populista de esquerda do governo. Ele indica que praticamente a metade da população do país recebe algum tipo de ajuda financeira do Estado, fora 5,8 milhões de empregos oferecidos na esfera governamental. “A conta não aguenta mais. Isso, somado ao problema com o déficit fiscal, fez com que o governo optasse, nos últimos anos, por emitir uma grande quantidade de pesos. A velocidade da circulação transforma isso num problema inflacionário muito grave. O governo lança um pacote de medidas para solucionar esse problema, mas de nada adianta se não trabalhar na melhora das contas públicas. A inflação não vai melhorar sem uma revisão dos gastos do Estado”, afirma.
Carlos Honorato, professor da FIA Business School, afirma que as medidas anunciadas recentemente buscam fortalecer a imagem do governo e do futuro candidato governista à eleição presidencial. “Um dos objetivos do governo é de tentar conter o avanço da extrema-direita na Argentina. O grupo tem apresentado algumas soluções extremamente heterodoxas (aquelas que saem ao padrão da regra econômica tradicional). A ideia proposta pela extrema-direita é de que a economia deve ser definitivamente dolarizada. Isto quer dizer que a moeda norte-americana seria a moeda oficial da Argentina. A dificuldade é que, em países com economias grandes, como é o caso da Argentina, dolarizar a economia pode criar problemas sérios, inclusive soberania nacional. Dolarizando a economia, o país não tem mais moeda própria e, portanto, não pode fazer política monetária, entre outras coisas”, indica. Contudo, levando em consideração a situação atual do país, Honorato pondera que a dolarização da economia poderia ser benéfica em alguma medida. “O problema central da Argentina é a ausência de reservas substanciais em dólares. Além disso, existe um forte desajuste nas contas públicas, um intenso lobby de setores econômicos e uma dificuldade política quase intransponível para fazer reformas necessárias. Talvez a proposta da dolarização da economia não seria de todo ruim. A partir de um determinado momento, o dólar seria a moeda corrente mesmo que você não tenha um valor muito grande em circulação em papel-moeda. Isso freia a inflação, mas, certamente, criaria empobrecimento coletivo violento. A partir desse momento, os governantes poderiam pensar em algumas reformas, especialmente no corte de gastos e ajuste de despesas, além do planejamento de uma introdução de uma moeda atrelada ao dólar e que tivesse condições de retomar o papel da moeda nacional como reserva de valor. O problema é que, se a primeira parte do plano der certo, as outras partes são abandonadas normalmente por razões políticas ou demagógicas”, alerta.
Vitelio Brustolin, professor de relações internacionais da UFF e pesquisador de Harvard, destaca que essa proposta, que tem sido apresentada Javier Milei, apesar de bastante criticada, tem o apoio de algumas pessoas que a consideram uma saída viável. “Ele lançou recentemente um livro sobre a dolarização, justamente quando o Dólar Blue, que representa um câmbio mais próximo da realidade, chegava a quase 500 pesos. Ele afirma que, com isso, conseguiria eliminar a inflação em dois anos”, explica o especialista. Mas para fazer algo assim, além de se eleger, o conservador precisará ter maioria no Congresso, o que não é fácil. Professora de Relações Internacionais da FESPSP e pesquisadora do Observatório de Regionalismo (ODR), Flavia Loss complementa que o agravamento das crises econômica e política favorece o surgimento de novos nomes e novas propostas. “Pela primeira vez, a Argentina possui um candidato de extrema-direita competitivo na figura de Javier Milei. O candidato apresentou dez propostas para o seu plano de governo, como cortes drásticos nos gastos públicos, reformas tributária e trabalhista, esta última com a eliminação de indenizações por demissões sem justa causa, abertura unilateral ao comércio internacional e a eliminação do Banco Central da Argentina, considerado por Milei como o responsável pela hiperinflação”, esclarece.
Sobre o panorama para as eleições, ela aponta que o cenário é de uma margem estreita entre a coalizão “Juntos por el Cambio”, liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, e a “Frente de Todos”, do atual presidente Alberto Fernández. “O peronismo está fragmentado, assim como a oposição, e cresce o descontentamento popular com a política no geral. Nesse contexto de desalento, a coalizão ‘La Libertad Avanza’, de Javier Milei, tem demonstrado resiliência nas pesquisas, o que demonstra que a insatisfação e o cansaço da sociedade argentina podem empurrá-la para propostas novas e radicais”, analisa. Vale lembrar que o ex-presidente da Argentina Mauricio Macri, que também tem viés à direita, anunciou em 26 de março que não irá concorrer à presidência. Alberto Fernández, atual chefe de Estado, também desistiu da candidatura. Sua vice, Cristina Kirchner, que foi presidente duas vezes entre 2007 e 2015, seguiu o mesmo caminho.
Apesar do fortalecimento de Milei, muito em decorrência da situação econômica e social da Argentina, Gustavo Segré não acredita que a crise da favoreça a direita conservadora, mas prejudica o populismo de esquerda, vertente representada pelo atual governo. O favorecimento seria direcionado a qualquer opositor da ideologia defendida por Fernández, segundo o analista. Ele cita dois possíveis candidatos, ambos da coalizão “Juntos por el Cambio”: o prefeito da cidade de Buenos Aires, Horácio Larreta, e a ex-ministra de segurança, Patricia Bullrich. Outro possível opositor a Milei pode surgir da centro-esquerda, na figura do partido União Cívica Radical, de acordo com Vinicius Vieira, professor de relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). “É um partido historicamente vinculado à classe média argentina, mas que também abarca os mais pobres, como costuma ocorrer com os movimentos populistas latino-americanos. Mas o Milei sai como favorito porque os argentinos, na pós-democratização, já tentaram governos do Partido Radical e peronistas, da esquerda e da direita”, pondera. Para Carlos Honorato, o desafio de toda América Latina é construir governos de coalizão que consigam, por meio do entendimento, um pacto que resolva as questões nacionais de uma forma estruturada e definitiva. “Infelizmente, nenhum presidente tem essa visão quase heroica de liderança, e os governantes estão sempre a mercê dos interesses do momento”, complementa.
Vitelio Brustolin, professor de relações internacionais da UFF e pesquisador de Harvard, adianta que apesar das especulações é preciso “aguardar as eleições primárias de 13 de agosto, para haver mais clareza quanto ao quadro de candidatos que disputarão a eleição presidencial, em 22 de outubro”, mas adianta que, sem sombra de dúvidas o que mais deve pesar é a economia. “Os argentinos estão andando em círculos há anos e cansados da situação do país. Há muita desconfiança com o governo e as pessoas estão com medo de deixar o dinheiro nos bancos, pois temem que as poupanças sejam congeladas”. O especialista lembra que, apenas entre março e abril deste ano, a população sacou o equivalente a US$ 1 bilhão do sistema bancário argentino. As pessoas se lembram da crise econômica de 2002, até o momento o pior ano na história econômica da Argentina, e não querem passar por algo semelhante. O coordenador de pós-graduação em relações institucionais e governamentais do Mackenzie Márcio Coimbra, já adianta, que, independentemente de quem vencer, o novo presidente vai “herdar um país deteriorado economicamente”.
G1